Decisão do Juiz Federal Guanambi da ação civil pública pelo MPF contra a INB

14 de outubro de 2009

DECISÃO Nº ______/2009
PROCESSO Nº. 2009.33.09.000761-3
CLASSE Nº. 7.100 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA
REQUERENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
REQUERIDO: UNIÃO FEDERAL E OUTROS

JUIZ FEDERAL: MARCELO MOTTA DE OLIVEIRA

DECISÃO

Vistos, etc.

Trata-se de ação civil pública, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, proposta pelo Ministério Público Federal contra a União Federal e Outros, objetivando compelir a União Federal (Ministério da Ciência e Tecnologia), a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, as Indústrias Nucleares do Brasil S/A – INB, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, a cumprirem a determinação legal de promover medidas concretas e efetivas que assegurem o bem estar da população e o respeito às normas de proteção ao meio ambiente referentes à exploração, beneficiamento, manuseio, transporte e procedimentos correlatos em relação às atividades desenvolvidas em termos de energia nuclear na cidade Caetité-BA e região.

Relata o Ministério Público que foi instaurado Procedimento Administrativo 1.14.000.000785/2000-88 na Procuradoria da República da Bahia, em 25/10/2000, visando apurar denúncia de vazamento de licor de urânio da bacia da INB, que teria contaminado rio em Caetité-BA.

O Parquet perfaz, ano a ano, relato histórico das irregularidades constatadas no Procedimento Administrativo em epígrafe.

Em 2000, refere-se ao fato de que não houve comunicação, fiscalização e transparência acerca do vazamento de licor de urânio em Caetité-BA. A INB não teria comunicado o vazamento à população, nem aos órgãos fiscalizadores. Ressalta, ainda, a omissão do IBAMA ante o acidente e a necessidade de uma perícia independente e qualificada no local do ocorrido.

Em 2001, considerando a versão oficial que não houve dano verificado na área decorrente do acidente, salienta a necessidade de realização de auditoria independente, não apenas para averiguar o vazamento, mas todo o complexo minero – industrial.

Em 2002, menciona que os próprios diretores da CNEN serão competentes para deliberar acerca das soluções diante das falhas ocorridas nas condições de funcionamento das instalações radiativas nucleares do Brasil, e não mais seus fiscais, o que retrataria a relação “promíscua” da diretoria da CNEN com as permissionárias e concessionárias de serviços radioterápicos e nucleares e os meios políticos no país.

No ano de 2003, ressalta a informação prestada ao Ministério Público Federal referente ao motivo pelo qual a INB estaria operando na Unidade de Concentração de Urânio em Caetité ainda com a Autorização para Operação Inicial (AOI), sendo a justificativa o não cumprimento pela INB das exigências formuladas para correção da apresentação do RFAS (Relatório Final de Análise de Segurança).

No que toca a 2004, descreve matérias jornalísticas que atentam para o fato do risco que a mina pode oferecer aos moradores da região de Caetité e ao meio ambiente, conforme alertaram os técnicos da CNEN, que sugeriram a paralisação das atividades da mina, o que foi vetado pelo presidente da Requerida.  Destaca, também, em referência à matéria jornalística, que o órgão regulador deve ser apartado do órgão explorador de energia, de acordo com as normas internacionais que o Brasil endossou, o que não acontece no caso em tela, no qual a CNEN controla a INB.

Ao tratar das irregularidades de 2005, refere-se à audiência pública realizada com a pauta: “A INB – Indústrias Nucleares do Brasil – Caetité e a Saúde da Comunidade e dos Trabalhadores”, realizada com representantes de diversos órgãos públicos, universidades, grupos e associações ambientalistas, na qual foi novamente  sugerida a necessidade de uma auditoria independente.

Em 2006, revela que a Câmara Técnica do IBAMA aprovou moção que registra o contínuo descumprimento pela INB, unidade de Caetité, de condicionante prevista na Licença de Operação 274/2002, deixando de propor qualquer convênio, acordo ou termo de cooperação com os órgãos da área de saúde, violando o princípio da precaução e demais normas ambientais.

Em 2007, delata que, apesar de multada por crime ambiental, a INB teve sua licença renovada pela DILIC/IBAMA em Brasília-DF.

Em relação às irregularidades de 2008, relata o Ministério Público que fundações, órgãos e associações civis, mais especificamente a FIOCRUZ, o Greenpeace e o Centro Estadual de Referência dos Trabalhadores, alertaram sobre o risco à saúde dos trabalhadores e impacto ao meio ambiente causado pelo beneficiamento e extração de urânio, inclusive acerca de recolhimento de amostras que detectaram concentração de urânio em níveis acima do permitido em águas superficiais e subterrâneas da Região de Caetité e Lagoa Real.

Ainda em 2008, menciona o Ministério Público a realização de Audiência Pública para tratar de “Assuntos referentes à extração de urânio pelas Indústrias Nucleares do Brasil – INB, na Unidade de Concentração de Urânio em Caetité/BA”. Sobre a conclusão da audiência pública, o Parquet aduz que a INB não reconheceu a necessidade e razoabilidade de auditoria independente, não se dispondo a custear sequer os estudos preliminares.

Alega que foram detectadas irregularidades pelo Grupo de Trabalho instituído pela Câmara dos Deputados, por sua Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, destinado a discutir a estrutura de fiscalização na área nuclear no Brasil, constatando a comissão temática que as instalações nucleares não podem ficar continuamente operando com Autorização para Operação Inicial (AOI), contrariando a legislação nuclear, como é o caso de Angra II e da Usina de Beneficiamento de Urânio de Caetité, as quais estão nessa condição há mais de 05 (cinco) anos, devendo ser cumpridas as condicionantes de segurança impostas pela legislação.

Em referência à auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União, o Requerente relata que o TCU recomendou ao CNEN, em referência às atividades nucleares brasileiras, dentre outras medidas, a avaliação, juntamente com o Ministério da Ciência e Tecnologia, sobre a possibilidade de retirar da CNEN o controle acionário da INB, de forma a evitar o conflito de interesses entre as instituições; bem como a criação e alteração de normas de inspeção, fiscalização, licenças, instalação e rotatividade de servidores, referentes às atividades de energia nuclear.

O Órgão Ministerial salienta que os Requeridos violaram norma programática da Constituição Federal, mais especificamente o artigo 225, que dispõe sobre o meio ambiente, ao não adotar medidas necessárias à proteção ao meio ambiente, à saúde e ao bem-estar das pessoas e à segurança dos trabalhadores.

Aduz que a CNEN opera em estado de ilegalidade permanente por violar a Convenção Internacional da Segurança Nuclear, em vigência interna desde 22/01/1997, a qual determina a separação entre as funções de órgão regulatório e qualquer outro relacionado com a promoção ou utilização de energia nuclear, o que não acontece no Brasil, em que a CNEN é fiscal de si mesma, pois regula e fomenta a atividade nuclear, desrespeitando assim os princípios republicano, democrático e da separação dos poderes, porque importa a concentração de poderes numa mesma instituição.

Destaca a fragilidade da fiscalização sobre as atividades nucleares brasileiras, referindo-se às diferenças na organização normativa existente entre a CNEN e outros órgãos federais de fiscalização; à dispensa de contratação de seguro nuclear concedido pela CNEN à INB; e ao fato de que, por cerca de uma década, a INB opera de modo precário e irregular, mediante a renovação da Autorização para Operação Inicial – AOI.

Argúi que o ente estatal tem o dever de proteção ao bem difuso que é o meio ambiente e, se não o faz alegando a doutrina da reserva do possível, deverá provar como está elaborando, planejando e executando o orçamento público, não devendo alegar somente a escassez de recursos.

Assevera a existência de dano moral coletivo decorrente da inércia dos Réus, ocasionando prejuízo ao meio ambiente e à higidez sanitária de Caetité e região, dos seus habitantes, da sua imagem e da saúde dos trabalhadores da mina de urânio; mais especificamente advindas do não cumprimento, por quase uma década, das condições que possibilitariam a Autorização para Operação Permanente – AOP – das atividades da INB na Mina e Unidade de Beneficiamento de Urânio de Caetité-BA.

Pugna pela reparação do dano moral coletivo pelos Réus, em valor não inferior a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais), a ser revertido ao Fundo Nacional dos Direitos Difusos.

Requer, ainda, o Ministério Público a antecipação dos efeitos da tutela, determinando a suspensão das atividades da INB, relacionadas à Mina e Unidade de Beneficiamento de Urânio de Caetité-BA, enquanto as rés União e Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN não adotarem: a) a instituição de órgão autônomo e independente na área de salvaguardas, proteção e segurança nuclear; b) a instituição de um sistema federal de fiscalização na área de radioproteção e segurança nuclear; e c) a realização de fiscalização efetiva na Mina e Unidade de Beneficiamento de Urânio de Caetité-BA.

 Requer também o Parquet, ainda em sede de antecipação, provimento jurisdicional que determine: à INB, durante a suspensão das suas atividades na Mina e Unidade de Beneficiamento de Urânio de Caetité-BA, que mantenha todos os empregos e salários dos seus funcionários, bem como implemente medidas socioeconômicas em favor da população local, aptas a evitar qualquer perda social decorrente da redução de pagamento de tributos ao município de Caetité-BA; à União e à CNEN, a adoção de medidas necessárias para a disponibilização de recursos financeiros aptos a custear a realização de auditoria independente em relação a todas as atividades da INB em relação à Mina e Unidade de Beneficiamento de Urânio de Caetité-BA; ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA –, que suspenda eventual licença ambiental existente e não conceda nenhuma outra à INB, enquanto não forem cumpridas as determinações requeridas anteriormente; a cominação de multa diária, em caso de não cumprimento de eventual deferimento de liminar, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) à pessoa dirigente ou administrador da pessoa jurídica ou órgão, assim como multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) à pessoa jurídica omissa.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 75/1852, 03 (três) apensos e 24 (vinte e quatro) anexos.

Despacho a fls. 1856, determinando a oitiva dos representantes judiciais das pessoas jurídicas de direito público, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.437/92.

Manifestação do IBAMA às fls. 1862/1870, acostando os documentos de fls. 1871/1876 e 1886/1937, considerando pequeno o prazo legal para manifestação e postulando o indeferimento da liminar.

Manifestação da União às fls. 1952/1961, juntando os documentos de fls. 1962/1977. Aduz a União a ausência dos requisitos ensejadores da concessão da tutela postulada.

Nova petição do IBAMA às fls. 1980/1981, para juntar os documentos de fls. 1982/1995.

Petição da União a fls. 2008, juntando relatório da INB às fls. 2009/2037.

Manifestação da CNEN às fls. 2033/2045, acompanhada dos documentos de fls. 2047/2057. Igualmente, postula o indeferimento da liminar por falta de seus pressupostos.

Vieram os autos conclusos para decisão.

É o relatório. Decido.

Para a concessão antecipada da tutela jurisdicional postulada, é indispensável a presença dos requisitos elencados no art. 273 do Código de Processo Civil. Como sintetiza com maestria o eminente Ministro Athos Gusmão Carneiro, a antecipação de tutela depende de que prova inequívoca convença o magistrado da verossimilhança das alegações do autor. Mas tais pressupostos não são bastantes. É mister que aos mesmos se conjugue o fundado receio, com amparo em dados objetivos, de que a previsível demora no andamento do processo cause ao demandante dano irreparável ou de difícil reparação; ou, alternativamente, de que fique caracterizado o abuso do direito de defesa, abuso que inclusive se pode revelar pelo manifesto propósito protelatório revelado pela conduta do réu no processo ou, até, extra processualmente .

Ao delimitar o objeto da ação civil pública, o Ministério Público Federal informou que esta se destina a impor aos Réus o dever de cumprirem a determinação legal de promover medidas concretas e efetivas que assegurem o bem-estar da população e o respeito às normas de proteção ao meio ambiente no que se refere à exploração, beneficiamento, manuseio, transporte e procedimentos correlatos em relação às atividades desenvolvidas em termos de energia nuclear, na cidade de Caetité-BA e adjacências. Linhas adiante, dedica os pedidos às pessoas que são potencialmente afetadas pelas atividades relacionadas à exploração de urânio na Bahia, em especial às entidades da sociedade civil organizada e ao povo de Caetité.

Todavia, as atividades de extração de urânio e de produção de energia nuclear são distintas; guardam relação entre si na mesma medida em que a extração de petróleo se relaciona com a produção de energia em usinas termelétricas movidas a óleo diesel. O urânio extraído na mina de Caetité explorada pela Ré Indústrias Nucleares do Brasil S/A somente se transforma em combustível passível de utilização para a produção de energia após passar por processo de enriquecimento. Na natureza, são encontrados três isótopos radioativos de urânio, 238U, 235U e 234U, o primeiro em porcentagem superior a 99% (noventa e nove por cento). Por enriquecimento de urânio se entende o processo de extrair átomos ou isótopos do urânio 238, aumentando a quantidade do urânio 235. Este último isótopo é muito menos estável que o isótopo 238U, possibilitando o uso do composto em reatores nucleares de fissão. A tecnologia para a realização desse processo é dominada pelo País, que, no entanto, não enriquecia urânio em escala industrial até recentemente, tendo sido, neste corrente ano de 2009, noticiado que a própria Ré INB passaria a fazê-lo – mas na cidade de Resende/RJ, distante da jurisdição desta Vara Federal. Por sua vez, a produção de energia por meio da fissão nuclear – por transformação da energia nuclear em energia térmica, no reator, e, em seguida, da energia térmica em mecânica, na turbina, e, por fim, da energia mecânica em elétrica, no gerador – é feita, no País, nas unidades instaladas na cidade de Angra dos Reis, também no Estado do Rio de Janeiro. Até então, o processo de enriquecimento sempre foi feito no exterior.

O que existe em Caetité é uma atividade de mineração, com a extração do urânio, que se encontra na natureza, sendo necessária a extração de grandes quantidades de rocha para a produção de pequena quantidade de urânio, que é concentrado na forma de um pó amarelo conhecido por yellow cake. Esta última atividade é exercida pela Ré INB, sendo a ela aplicáveis diversas normas de controle, dadas as repercussões ambientais, humanas e trabalhistas. Mas não se aplica a essa atividade a Convenção de Segurança Nuclear, promulgada pelo Decreto nº 2.648/98. Este dispõe, in verbis:

ARTIGO 2

Definições
Para os fins desta Convenção:
I) “instalação nuclear” significa, para cada Parte Contratante, qualquer usina nuclear civil, localizada em terra, sob sua jurisdição, incluindo instalações de armazenamento, manipulação, e tratamento de materiais radiativos que estejam no mesmo local e que sejam relacionados com a operação da usina nuclear. Tal usina deixa de ser uma instalação nuclear quando todos os elementos combustíveis nucleares tenham sido removidos definitivamente do núcleo do reator e tenham sido armazenados de maneira segura, de acordo com procedimentos aprovados, e um programa de descomissionamento tenha sido aprovado pelo órgão regulatório.
II) “órgão regulatório” significa, para cada Parte Contratante qualquer órgão ou órgãos com autoridade legal conferida por aquela Parte Contratante para outorgar licenças e regulamentar a escolha do local, o projeto, a construção, o comissionamento, a operação ou o descomissionamento de instalações nucleares.
III) “licença” significa qualquer autorização outorgada pelo órgão regulatório ao requerente que tenha a responsabilidade pela escolha do local, projeto, construção, comissionamento, operação ou descomissionamento de uma instalação nuclear.
ARTIGO 3
Campo de Aplicação
Esta Convenção aplicar-se-á à segurança de instalações nucleares.

A determinação para a instituição de um órgão regulatório, prevista na Convenção, não se destinaria, a priori, à exploração mineral, esta sujeita às regras próprias da atividade no ordenamento jurídico. Claro está que a criação desse novo órgão, uma agência reguladora, possivelmente independente ou vinculada diretamente à Presidência da República, é altamente desejável, e deverá, como da tradição da atividade da Ré CNEN, abarcar toda a atividade que envolva tecnologia nuclear. E será de grande importância, caso seja dotada de melhor estrutura para o desempenho de suas atribuições. Para os fins de concessão de medida antecipando os efeitos da tutela, porém, não há base legal que determine a instituição de tal agência no tocante à atividade desenvolvida pela Ré INB em Caetité, embora possa, eventualmente, ser aplicável a Convenção em relação às instalações nucleares hoje existentes no País – o que não é objeto da presente ação e não é, também e em princípio, da competência territorial deste Juízo.

Observo que todos, ou quase todos, os pedidos liminares pressupõem a instituição de órgão autônomo e independente na área de salvaguardas e a instituição de um Sistema Federal de Fiscalização na área de radioproteção e segurança nuclear. A instituição de tal órgão, se até pode ser admitido que tenha início por determinação judicial, dificilmente se coaduna com o estreito espaço de uma liminar, antes mesmo do estabelecimento do contraditório.

Para além da verossimilhança das alegações, observa-se que a extensa e bem fundamentada petição inicial arrola diversas “irregularidades”, abrangendo longo período de cerca de dez anos. Nem a petição inicial, porém, nem a imensa quantidade de documentos a ela acostada, permitem concluir, de plano, que a atividade da INB acarretou em aumento da radioatividade no ambiente, a níveis que ofereçam risco à saúde humana.

Para um leigo na matéria, caso do juiz signatário, a atividade de mineração não poderia aumentar a quantidade de urânio no ambiente: ela deveria, por imperativo lógico, diminuir essa quantidade, uma vez que extrair o urânio do ambiente e processá-lo, é exatamente no que consiste a atividade mineradora. Porém, tanto a extração quanto o processamento, mais notadamente a primeira, são atividades que, por sua própria natureza, produzem severos impactos ambientais. Isso se dá para a exploração de qualquer recurso mineral. Uma mina de ferro, ou de manganês, minerais dos quais existem importantes jazidas em Caetité, também produz extenso impacto no ambiente, sendo que este último metal, por sua toxicidade química, talvez implique riscos maiores do que os riscos radiológicos da exploração de urânio. Certamente, contudo, há modos razoavelmente seguros para a extração e processamento de um e outro mineral; e, se é do cerne da presente ação verificar se tais tecnologias são corretamente empregadas em Caetité, tal prova não se encontra preconstituída, devendo ser produzida no momento processual oportuno.

Tanto assim é que o Ministério Público Federal se bate pela instituição de uma Auditoria independente. A idéia, repelida pela INB, que não lhe reconhece a razoabilidade, é, ao contrário, muito razoável e aparentemente interessante para todas as partes envolvidas. Também não se trataria de adiantamento da prova pericial, como afirmado em manifestação da CNEN, haja vista serem totalmente distintos seus objetivos: a realização da Auditoria diz respeito ao mérito da ação, sendo um dos pedidos, e possui espectro bem mais amplo. Para todos os Entes Públicos, e para a própria INB, que se não é pessoa jurídica de direito público, é sociedade de economia mista, gerida pelo Poder Público (portanto, não teria razão aparente para se colocar deliberadamente em posição contrária ao interesse público), parece se tratar de uma ótima oportunidade de obter uma visão externa, apontando eventuais falhas para correção e, em sendo o caso, tranqüilizando a sociedade acerca da adequação dos métodos de lavra e processamento do metal na jazida explorada em Caetité. Obviamente, uma Auditoria independente não pode ser liderada pelo Ministério Público Federal a esta altura, por ser este parte na presente ação civil pública; mas crê o Juízo ser bastante plausível a obtenção até mesmo de conciliação, no momento processual adequado, acerca da realização da aludida auditoria.

No presente momento, porém, a reconhecida (pelo Ministério Público Federal) necessidade de uma auditoria aponta, a uma, a insuficiência da prova coligida; e a duas, a prematuridade do pedido de suspensão das atividades da mina, uma vez que sequer foram auditadas, e longe estão de serem periciadas no curso da ação judicial, embora as primeiras irregularidades noticiadas pelo I. Parquet datem de quase dez anos.

Muitos documentos carreados aos autos reforçam a constatação de que não há prova de que a ação antrópica na jazida tenha aumentado o risco radiológico na região. Tal prova poderá ser produzida no curso da instrução; mas, a esta altura, não se encontra nos autos. Reforça meu convencimento a afirmativa dos Réus Entes Públicos, IBAMA, CNEN e União – cujos atos são presumidamente legais e legítimos – acerca da regularidade das atividades, manifestados por diversas vezes, mesmo antes do ajuizamento da presente ação civil pública, inclusive por ocasiões das concessões e renovações de licenças de atividade, ressalvando questões pontuais e específicas constantes das muitas exigências impostas. Nesse sentido, aliás, reconhecendo as presunções de legalidade e legitimidade que militam em prol do ato de licenciamento, há inúmeros precedentes na jurisprudência, da qual extraio, do egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS PARA POSTERIOR INSTALAÇÃO DE USINAS HIDRELÉTRICAS. LICENÇAS AMBIENTAIS CONCEDIDAS. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PARA SUSPENDER A SUPRESSÃO VEGETAL E O MANEJO DA FAUNA. CASSAÇÃO. 1. Incabível afastar a presunção de legalidade inerente aos atos administrativos sem indicação precisa dos elementos que fazem crer haver mácula em tais atos. 2. A proteção ambiental exige uma visão ampla das questões, projetando a percepção do que seja meio ambiente a um universo geograficamente amplo e a uma extensão de tempo razoável. O ambiente é um objeto de estudo dinâmico e interrelacionado com outros objetos semelhantes, com elevado número de variáveis. 3. A decisão judicial impondo restrição deve atender essa percepção ampla necessária. 4. Agravo de instrumento provido.

Processo AG 200804000031007 AG – AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a) MARCELO DE NARDI Sigla do órgão TRF4 Órgão julgador TERCEIRA TURMA Fonte D.E. 18/06/2008.

Paralelamente, anoto que há também manifestações de outros órgãos e entidades, que contribuem para que não seja reconhecível a inequivocidade da prova. O INGÁ – Instituto de Gestão de Águas da Bahia, por exemplo, encaminhou ao Ministério Público Federal o relatório de fls. 1631/1671, em que conclui:

“Os resultados apontaram valores acima dos limites máximos permitidos em 2 pontos de amostragem de água subterrâneas, entre os pontos avaliados. De acordo com a revisão da literatura, apresentada neste relatório, encontrou-se referência de que antes da entrada em operação da INB foi constatada atividade radioativa em águas subterrâneas da região, em níveis relativamente altos. Isso aponta que a detecção de urânio na água tem relação com a presença natural do minério. No entanto, também foi encontrada referência ao aumento de concentrações de urânio, em áreas de influência da INB, após o início das atividades de mineração.
Diante do exposto, conclui-se que os dados obtidos não permitem inferir se a atividade da mineração na região exerce influência sobre as concentrações de urânio na água.”

A EMBASA, Empresa Baiana de Águas e Saneamento, responsável pelo abastecimento de água das cidades da região, forneceu nota técnica, às fls. 1697/1698, em que afirma:

“.especificamente quanto à radioatividade, anexamos laudo da Bioagri Ambiental, que atestam o atendimento aos padrões definidos pela legislação vigente;
. face ao exposto, verifica-se não haver influência das atividades desenvolvidas pela URA/INB na qualidade da água distribuída pela Embasa às populações de Caetité e Lagoa Real.”

Fora dos autos, do ponto de vista da saúde humana, em dissertação de mestrado defendida diante da Universidade Estadual de Santa Cruz por Geórgia Reis Prado em setembro de 2007, “Estudo de contaminação ambiental por urânio no município de Caetité-BA, utilizando dentes humanos como bioindicadores”, a pesquisadora, após alentado trabalho de campo, muito bem fundamentado, concluiu:

“1- Os residentes nos municípios de Caetité, Igaporã e Lagoa Real, devem apresentar índices corpóreos de urânio bastante elevados.
2 – No caso de Caetité a situação é a mais grave, pois a média de urânio incorporado é ordens de grandeza superior à média mundial.
3. Tendo-se em conta a correlação entre incorporação e ingestão, concluímos que a concentração urânio na dieta de alimentos e água dos residentes de Caetité é igualmente muito elevada.
4 – Neste caso, as populações dessas localidades, e de Caetité em particular, estão sujeitas a riscos radiobiológicos muito superiores aos de populações de outras regiões, tanto no país como no restante do mundo.

7 – O trabalho não indica necessariamente que a contaminação venha da atividade mineradora da usina, uma vez que o solo de toda região é rico em urânio.”

Assim, não há provas cabais e concludentes – inequívocas, na dicção legal – de que a exploração de urânio em Caetité tenha acarretado no aumento do risco radiológico ou na contaminação de águas ou ambiente, de forma superior àquela naturalmente ocorrida em face da existência do metal em jazidas naturais.

Claro está que não se trata, aqui, de julgar de plano a lide. A prova poderá ser feita no curso da instrução, sob o crivo do contraditório, e dela resultar a conclusão de que a atividade das Rés é nefasta e comporta a adoção das medidas requeridas. O requisito da prova inequívoca, porém, não está presente, por ora.

Também é dever assentar que esta ação civil pública não tem por escopo discutir acerca da conveniência da opção brasileira pela produção de energia através da fissão nuclear. É sabido que o mundo apresenta crescente demanda por energia, necessária para praticamente toda atividade humana. É também de conhecimento geral que nenhum modo de transformação da energia para uso humano é isento de custos ambientais. As hidroelétricas produzem grandes alagamentos, alteração dos ecossistemas e do regime hídrico; as usinas eólicas não fornecem quantidades de energia capazes de suprir a demanda, e geram alterações nos microclimas em razão das mudanças nos ventos; as termoelétricas geram gases que resultam no aumento do aquecimento global; as usinas nucleares são menos poluentes, mas produzem rejeitos de difícil estocagem e risco elevado em caso de desastres naturais ou guerras, etc. A discussão sobre o melhor e mais adequado, do ponto de vista ambiental e de segurança, meio de produção de energia elétrica, envolve questões de complexidade muito superior aos aqui tratados, e não podem prescindir da participação da sociedade brasileira, nas instâncias democráticas. Contudo, no campo oferecido a exame nesta ação, examina-se, apenas, acerca da adequação da atividade exercida na lavra de urânio em Caetité/BA.

Por fim, registro que o deferimento do pedido acarretaria em dano inverso, uma vez que implicaria na suspensão das atividades da mina de urânio explorada pela INB em Caetité/BA, com resultados de difícil reversibilidade.

Por tais fundamentos, INDEFIRO A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA nos termos em que pleiteada.

Citem-se, como requerido.

Intimem-se.

Guanambi, 07 de outubro de 2009

MARCELO MOTTA DE OLIVEIRA
Juiz Federal

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